segunda-feira, 23 de julho de 2012

4 - Ensaios Céticos

"Onde quer que haja poder, há uma tentação de encorajar a credulidade naqueles que estão submetidos a esse poder"


É difícil determinar uma coisa assim. Mas, o filosofo inglês Bertrand Russel foi, provavelmente, o homem mais sábio que já viveu. 
Foi bastante reconhecido. A ponto de receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1950. Premiação um tanto estranha, pois a sua obra literária não é de ficção ou poesia, como normalmente são os ganhadores dessa premiação. Ele era, essencialmente, um filósofo. Verdade que um filósofo diferente dos demais, pois escrevia muito bem, de forma agradável e compreensível. Era intelectualmente generoso. Dedicou-se a melhorar o mundo e ensinar aos outros o que teve a oportunidade e a capacidade de aprender. Teve uma longa vida saudável.
A coleção Nobel, editada no Brasil com obras de ganhadores do Nobel, selecionou, para representar a obra de Russell, o livro Sceptical Essays (Ensaios Céticos), editado em 1928. Escolha muito feliz, pois se trata de uma obra prima do escritor. Além de mostrar os fundamentos do pensamento de Russell, ela apresenta exemplos de aplicação do método russelliano para a copreensão da vida individual e da sociedade humana.
Começando pelo magistral primeiro parágrafo, o livro iluminou a mente de milhões de pessoas pelo mundo a fora.
Vamos reproduzir aqui esse parágrafo, que merece ser lido e relido muitas vezes, bem como alguns outros que o sucedem e que nos ajudam a compreender melhor a revolucionária proposição de Russell. 


Introdução: Sobre o Valor do Ceticismo



Eu gostaria de propor à consideração favorável do leitor uma doutrina que, temo, poderá parecer tremendamente paradoxal e subversiva.
A doutrina em questão é a seguinte: não convém acreditar numa afirmação quando não existe nenhuma base para supor que ela seja verdadeira.
Devo admitir, é claro, que se tal opinião for aceita pelas pessoas, poderá transformar completamente a nossa vida social e o nosso sistema político.
Como ambos, atualmente, são impecáveis, isso pesa contra a doutrina que proponho.
Estou também consciente (o que é mais grave) que isso poderia causar diminução na renda dos videntes, das loterias, bispos e outros que ganham com as esperanças irracionais daqueles que nada fizeram para merecer a felicidade nesta vida ou na outra.
Apesar dessas sérias objeções, sustento que a minha estranha proposição tem algum fundamento e vou tentar demonstrar isso a seguir.




Antes de mais nada, quero me resguardar contra a ideia de que sou um homem de posições extremadas.
Eu sou um wigh liberal britânico, com a inclinação britânica pelo acordo e a moderação.
Conta-se uma história sobre Pirro (1), fundador do Pironismo (nome que antigamente se dava ao ceticismo).
Ele afirmava que nós nunca sabemos o suficiente para afirmar que uma forma de agir é mais correta do que outra.
Na sua juventude (2), quando ele estava fazendo um passeio, viu seu professor de filosofia (do qual ele havia aprendido seus princípios) com a cabeça presa numa valo, sem conseguir se soltar.
Depois de analisar a sena por algum tempo, ele seguiu no seu passeio, pois considerou que não havia fundamento suficiente para pensar que seria bom libertar o velho professor.
Outros, menos céticos, efetuaram o socorro e censuraram Pirro pela sua falta de coração. 
Mas seu professor, coerente com os seus princípios, o elogiou pela sua coerência.
Eu não defendo um ceticismo assim tão heróico.
Admito as crenças geralmente estabelecidas pelo senso comum (3), na prática se não na teoria.
Admito qualquer resultado da ciência que já esteja bastante confirmado, não como algo certo, mas como suficientemente provável para servir de base à ação racional.
Se é anunciado que haverá um eclipse da lua em determinada data, eu penso que vale a pena olhar se ele está acontecendo.
Pirro teria um pensamento diferente. Sendo assim, considero justo afirmar que eu advogo uma posição de meio termo (4).




Existem assuntos a respeito dos quais aqueles que os investigaram estão de acordo. A data dos eclipses é um exemplo disso.
Existem outros assuntos a respeito dos quais os especialistas divergem.
Mesmo quando todos os experts estão de acordo, eles podem estar errados. 
A ideia de Einstein quanto à magnitude da deflexão da luz pela gravidade, embora tenha sido rejeitada por todos os especialistas, acabou sendo provada cientificamente.
Mesmo assim, a opinião dos experts, quando ela é unânime, pode ser aceita pelos não-experts como mais provável de estar certa do que a opinião oposta.




O ceticismo que eu defendo resume-se a isto:
1 - que quando os experts estão de acordo, não se pode afirmar que a opinião oposta seja certa; 
2 - que quando eles não estão de acordo, nenhuma opinião pode ser considerada certa pelo não-expert; e 
3 - que quando todos eles afirmam que não há base suficiente para firmar uma opinião sobre o assunto, o homem comum fará bem se não fizer julgamento algum.
Estas proposições podem parecer irrelevantes. Porém, se for adotada, ela pode revolucionar totalmene a vida humana.


As opiniões pelas quais as pessoas estão dispostas a lutar e perseguir pertencem a um das três classes que esse ceticismo condena.
Quando há base racional para uma opinião, as pessoas contatam-se em emiti-la e as usam para orientar suas ações.
Nesses casos, as pessoas não sustentam suas opiniões com paixão; elas as defendem calmamente, e argumentam em favor delas com serenidade.
As opiniões defendidas com paixão são sempre aquelas para as quais não existe um bom fundamento. Na verdade, a paixão é o termômetro da falta de racionalidade de quem as emite.
Opiniões sobre política e religião são quase sempre defendidas passionalmente.
A não ser na China, um homem é considerado uma pobre criatura a não ser que ele tenha convicções fortes nessas matérias. Os céticos são mais odiados pelos homens comuns do que aqueles que defendem apaixonadamente opiniões diferentes das suas. 
Considera-se que as necessidades da vida prática requerem opiniões sobre essas questões, e que, se no tornássemos mais racionais, a vida em sociedade seria impossível.
Eu acredito no contrário disso e vou tentar esclarecer porque eu tenho tal crença.


1 - Pirro de Élis, filósofo grego antigo, defendia a idéia de que devemos desconfiar de todas crenças, pois não se pode afirmar que alguma delas seja inteiramente verdadeira.
2 - Lá pelo ano de 340 antes de Cristo.
3 - Senso comum é o conhecimento adquirido a partir de experiências, vivências e observação do mundo. É uma forma de conhecimento popular. Se caracteriza por conhecimentos empíricos (obtidos pela simples observação e não pela pesquisa científica) acumulados ao longo da vida e passados de geração em geração.
4 - O meio termo é um estado considerado o ideal, para Aristóteles. Todos os excessos são considerados vícios. Excesso de coragem, por exemplo, é a temeridade. A falta de coragem é covardia. Ambas são consideradas vícios. É preciso buscar o equilíbrio, que é a virtude, ou seja, a coragem em si, num meio termo entre o excesso e a falta. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário