domingo, 21 de outubro de 2012

16 - Tocando em frente

Música de Renato Teixeira e Almir Sater: sabedoria em forma de poesia
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Tocando em Frente é uma obra prima da música popular brasileira e um verdadeiro hino da sabedoria. Observe em:

A letra tem a mão de Renato Teixeira. autor de Romaria e outros grandes clássicos da música brasileira 

Tocando em Frente
Almir Sater

Composição: Almir Sater e Renato Teixeira

Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais.
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe.
Só levo a certeza de que muito pouco eu sei
Ou nada sei.

A compreensão da vida, por parte de uma pessoa madura é superior à dos jovens. Em parte pelo acúmulo de experiência e conhecimento, em parte porque na pessoa mais velha os instintos naturais, como o sexual e o guerreiro já estão mais abrandados, permitindo um maior domínio da razão. Isso permite que uma pessoa se torne mais ponderada e, inclusive, menos pretenciosa. Vale máxima socrática de que "quanto mais aprendo, mais me convenço de que nada sei." Com a velhice a pessoa não chega a descobrir a verdade, mas consegue se livrar de muitas ilusões. É mais fácil ser feliz depois disto.

Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir.
É preciso a chuva para florir.

As idealizações são enganosas e o homem, por mais que tenha evoluído e sido capaz de grandes realizações, ainda é um ser natural. Uma das tantas espécies que povoam o planeta. Os aspectos que o distinguem das outras espécies são notáveis, mas não tão extraordinários a ponto de o homem ser algo tão magnífico como uma imagem de Deus. Há 3000 anos, quando a humanidade sabia bem menos do que hoje, se considerava assim. Hoje, mais madura e tendo aprendido mais, consegue ver que não é tudo isso. E ser mais humilde.

Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando os dias, 
Pela longa estrada eu vou
Estrada eu sou.

Renato Teixeira, autor de grandes clássicos da música brasileira, não se sente um ser especial. É, como todos nós, um pequeno ser, um grão de areia no oceano.  Embora que - na juventude - tenha sonhado conquistar estrelas (como mostra outro clássico da música brasileira *).

Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir

O amor nada mais é que um estímulo ao acasalamento, que nos leva a fazer coisas e assumir compromissos que talvez não assumiríamos, se fossemos levados apenas pela razão. Mas, por outro lado, a natureza é muito maior que a ciência humana e nós, afinal de contas, somos mais natureza do que razão. Por isso, para sermos felizes, precisamos viver em harmonia com a natureza. A natureza é bela e admirável e, com moderação e cautela, fazemos bem em nos render às suas imposições. Nossa vã filosofia é muito menor do que as maravilhas naturais. A razão humana existe há apenas algumas dezenas de milhares de anos, enquanto a natureza vem se desenvolvendo há bilhões deles.

Todo mundo ama, um dia todo mundo chora.
Um dia a gente chega, no outro vai embora.
Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz

Vivendo entre a compulsão dos instintos e os ditames da razão, temos de buscar o ponto de equilíbrio que nos permita uma vida feliz. Com bom senso, é possível ser feliz. Os maus momentos passam, se soubermos enfrentá-los sensatamente.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

15 - Reação ao avanço científico

Novas idéias são, muitas vezes, combatidas com truculência
Quando Galileu Galilei informou ao mundo que a Terra gira ao redor do Sol, contrariando a crença anterior de que o que acontecia era o inverso, quase foi morto por causa disso. E algo semelhante aconteceu alguns séculos mais tarde, quando Charles Darwin demonstrou que o homem, assim como outros animais não surgiram da forma como foi narrado na Bíblia.
Igrejas cristãs fizeram isso quando repudiaram e combateram as descobertas de Galileu e Darwin.
Hoje, a maioria dos cristãos acredita que a Terra gira ao redor do Sol e uma grande parcela deles aceita, também, a forma científica de explicar a origem dos animais, inclusive o homem.
A Igreja Católica se opôs ao controle da natalidade até algumas décadas atrás, cometendo um grande erro. O controle da natalidade foi fundamental para o progresso dos países mais evoluídos e é necessário que se difunda nos países que ainda hoje vivem na miséria.
Não se deve nunca tratar com violência, desprezo ou ironia quem sustenta opiniões diferentes das nossas. Assim como a igreja, nós também temos convicções que, com o tempo, poderemos ser forçados a mudar. Devemos manter um certo grau de desconfiança com relação a tudo em que acreditamos, para estarmos sempe dispostos a analisar outras possibilidades e estarmos prontos a reformular as convicções que forem se mostrando enganosas.
Assim como matar quem não segue as nossas crenças é condenável, também o é tratar com desdém aqueles que acreditam em coisas das quais descremos. Num meio social em que a crença religiosa é considerada forma primitiva e obsoleta de visão das coisas, é condenável que se trate de forma desrespeitosa aqueles que sustentam a sua crença religiosa.
Maltratar minorias é uma forma reprovável que pessoas com sentimento de inferioridade encontram para se sentir superiores.

14 - Os dois lados da intolerância

A lua nos ilumina pela graça de Deus


Pessoas muito cultas e inteligentes acreditam em Deus e são dignas de muito respeito. Outras pessoas, igualmente cultas e inteligentes, não acreditam e são, igualmente, merecedoras de todo respeito.
Um sábio escritor comentou que a mente de algumas pessoas se inclina naturalmente para a crença religiosa. Para outras, é impossível acreditar em algo que não se fundamente na observação da realidade.
A mensagem que ilustra este comentário circulou na internet e mostra bem a discussão milenar que se desenvolve em torno desse assunto. Cresce no mundo, principalmente nos países mais desenvolvidos, o ceticismo religioso. Mas o número dos que acreditam, mesmo em países evoluídos, como os Estados Unidos, supera o dos que descreem numa divindade.
A mensagem que analisamos aqui circulou no Facebook e demonstra uma grande ignorância quanto à astronomia. Mas é um erro compreensível em pessoas que desconheçam os rudimentos desta ciência. 
Porém, dado o avanço do conhecimento científico nos nossos dias, parece mais provável que esta mensagem tenha sido concebida como uma forma de tripudiar sobre a ignorância alheia.
Ainda mais que se somam erros ortográficos ao lapso astronômico.
De fato, essa imagem e texto não foram compostos por uma igreja, mas sim por um blog humorístico (Igreja Apocaliptica do Oitavo Dia).
Não podemos condenar o humorismo. Se feito com inteligência e habilidade, é uma arte admirável, que muito benefício traz para a civilização.  O humor frequenta muito a área da discriminação. Mesmo assim, quando bem feito, o seu lado positivo se sobrepõe ao negativo.
Já o deboche grosseiro sobre a ignorância alheia, inclusive quando ela se manifesta na forma de crenças religiosas grosseiramente forjadas, é algo lamentável.
Afinal, assim como não devemos tripudiar sobre as pessoas que cometem erros de ortografia, também não devemos expor ao ridículo os que tentam fundamentar a sua fé religiosa com argumentos infundados.
As pessoas que crêem, valem tanto quanto as que não acreditam e todas merecem consideração.
O cético mais admirável é aquele que admite a incapacidade de se ter certeza quanto a qualquer assunto. Portanto, ele deve aceitar, também, a hipótese da existência de Deus. Mesmo como possibilidade remota. Ele não deve menosprezar os crentes taxando-os de ignorantes. Existem pessoas muito cultas e inteligentes que crêem.
Da mesma forma, devem proceder os crentes, respeitando aqueles que não comungam da sua visão de mundo.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

13 - Bertrand Russell: o guerreiro da razão

Russel em manifestação pública pelo desarmamento nuclear, no ano de 1961, junto com estudante e intelectuais - ele tinha 89 anos



Bertrand Russel foi, provavelmente, o homem de inteligência mais admirável que já existiu até hoje. Seus livros ajudaram a mudar o mundo. Dotado de talento extraordinário (escrevia tão bem que ganhou o prêmio Nobel de literatura), ele não era apenas um artista das palavras. Ele era um estudioso abnegado (escreveu a magistral obra Uma História da Filosofia Ocidental, inteirando-se para isso da obra de todos os grandes filósofos, e um homem corajoso. Na Primeira Guerra Mundial, contrariou as manifestações do seu governo (o da Inglaterra) ao procurar alertar as pessoas para o fato de que os governantes mentiam e que os alemães não eram monstros ou bandidos, que eram gente normal, tão boa quanto os ingleses. Foi preso por isso.
Russel viveu muitos anos. Nascido em 1872, viveu até 1970 e sempre lutou para abrir a cabeça das pessoas. Lutou muito contra a loucura das guerras, que tanto sofrimento causaram aos europeus e ao mundo inteiro ao longo da história e ainda no século XX. Quando ele morreu, o mundo era mais pacífico. E isso aconteceu, em boa parte, por sua causa. Ele combateu a guerra e outros males humanos com o uso da razão. Uma arma que, usada por um guerreiro tão hábil e pertinaz como ele, se mostrou eficiente.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

12 - Impróprio para menores de 70 anos

Azarão na eleição para papa
Existem certas coisas que só depois de alguns anos a gente descobre. Luis Fernando Veríssimo, aos 76 anos, escreveu o seguinte comentário (em Zero Hora de 1º de Outubro de 2012):

"Aniversário

Eu sabia que esse negócio de fazer aniversário todos os anos iria dar nisso: acabei envelhecendo. Às vezes, me pego pensando no que vou ser quando crescer e me dou conta de como minhas opções diminuíram. Não tenho mais idade para ser nada.
Só me animo quando vejo uma lista de prováveis candidatos a papa. A idade média deles é 70. Ser papa é uma das poucas coisas a que eu ainda posso realísticamente, aspirar. Mas minha única credencial para o cargo é a idade. Não sou cardeal, não sou nem praticante.
Devo ter deixado minha fé no bolso da fatiota azul, de calças curtas, com que fiz minha primeira comunhão. E a única coisa de que me lembro no evento, além da fatiota (e da gravata prateada!) não é a emoção de receber a hóstia e o rito eucarístico, são os doces que tinha em casa, depois. Acho que foi ali que fiz a minha opção preferencial pela perdição.
Invejo quem tem fé, mas não posso deixar de pensar que a minha religião particular, uma espécie de panteísmo urbano ( devoção por pastéis e boas livrarias e a crença de que há um deus, sim: o deus do oboé, que além de ser um instrumento divino é o que afina todos os outros), é a única sensata, em meio ao que não deixa de ser - se bem examinada - uma crise do mundial do monoteísmo.
Bons tempos em que, em vez de não ter mais idade, nós ainda não tínhamos idade. E sonhávamos com tudo o que viria, quando tivéssemos. Entrar em filme proibido até 14 anos. Beber e fumar. (O importante não eram a bebida e o cigarro, era a pose que se fazia bebendo e fumando. Ficar adulto era adquirir a pose). Beijar como beijavam nos filmes - pelo menos nos proibidos até 14, já que nos proibidos até 18 ninguém sabia o que acontecia. Ficar acordado até mais tarde. Ganhar a chave da casa. Dirigir carro. Usar bigode.
Ainda não ter idade era ficar pinoteando no partidor, indócil, como um cavalo esperando a largada.
Não ter mais idade é ficar com esta impressão de que até um ato de revolta por tudo que não fizemos quando tínhamos idade e agora não dá mais, não seria, assim, apropriado para a nossa idade.
Chama-se vida essa lenta transformação da frase, de ainda não ter idade para não ter mais idade.
 Ou de poder ser, teoricamente, tudo que se sonhasse, a poder ser, teoricamente, só papa. E por pouco tempo."